O empresário gaúcho Renato
Conill e um trecho do relatório da Receita Federal
(abaixo). Prejuízo gigantesco aos cofres públicos
O gaúcho Renato Conill, de 62
anos, preenche seus dias comandando as 14 empresas de seu grupo, que inclui de
metalúrgicas a concessionárias de carros luxuosos. Apesar da faina estafante,
Conill sempre encontra tempo para aquele que, segundo o Ministério Público
Federal (MPF), seria seu hobby predileto: engrupir a Receita Federal. Conill,
de acordo com o MPF, é um dos maiores caloteiros do país – as dívidas de suas
empresas somam mais de R$ 200 milhões. Em 2009, quando já estava encalacrado de
tanta dívida com a Receita, Conill descobriu uma maneira criativa de resolver
seus problemas fiscais. Por meio de uma de suas empresas, a Hahn Ferrabraz,
Conill contratou o despachante Cláudio dos Santos, que mora na periferia de
Brasília, um especialista em fazer sumir dívidas com a Receita – uma espécie de
Houdini dos caloteiros. Com a procuração da Ferrabraz, o despachante entrou no
site da Receita, digitou alguns comandos e – abracadabra – sumiu com uma dívida
de R$ 4,4 milhões da empresa com o governo federal. “Fui contratado para zerar
as dívidas da Ferrabraz”, disse o despachante a ÉPOCA. “Recebi R$ 60 mil pelo
serviço.” Qual é o truque do despachante? Como em toda boa mágica, ninguém
sabe. Nem mesmo a Receita, que desconfia apenas de uma falha em seu sistema. A
prestidigitação do despachante permitiu que empresas como a Ferrabraz não só se
livrassem das dívidas com a Receita como também obtivessem certidões
necessárias para participar de licitações do governo.
No mesmo ano em que, segundo o
Ministério Público, tapeou os computadores da Receita, Conill foi premiado com
um assento no Conselho de Desenvolvimento econômico e Social,
conhecido como “Conselhão”, que assessora a presidente Dilma Rousseff na definição
de políticas para alavancar a Economia do país. Em 2011, o mandato de
conselheiro de Conill foi renovado até este ano. O empresário tem dividido seu
tempo entre os conselhos a Dilma e as explicações ao Fisco. O truque ferrabrás
figura entre as maiores preocupações da Receita. ÉPOCA teve acesso, com
exclusividade, a um relatório de investigação sigiloso da Receita Federal. O
documento detalha os prejuízos com o golpe cometido por despachantes como o
contratado por Conill – Cláudio dos Santos não é o único Houdini dos
caloteiros. A Receita descobriu que 171 empresas, usando os mesmos métodos do
despachante, sumiram com dívidas que somam R$ 195 milhões, acumuladas entre
2009 e 2011. “De lá para cá, esse tipo de fraude pode ter alcançado R$ 1 bilhão
em prejuízos aos cofres públicos. É um dos nossos principais focos de atenção”,
afirma um dos investigadores da Receita. Descobriu-se que o golpe envolvia ao
menos oito despachantes Houdinis, em Brasília e no Rio de Janeiro.
A fraude beneficiou empresas
em 19 Estados. Há, entre os fraudadores, fabricantes de motocicletas, de
roupas, empresas de ônibus, faculdade, atacadistas e importadores. Segundo a
investigação, a maior beneficiária do esquema identificado foi a Bomix,
indústria de embalagens com unidades na Bahia, no Ceará e em São Paulo e com Faturamento anual
superior a R$ 100 milhões. A Bomix conseguiu reduzir suas dívidas em R$ 15
milhões. Entre as maiores beneficiadas também aparece a Vigilância Patrimonial
Armada (Vipasa), empresa ligada à família do deputado Cristiano Araújo, do PTB,
um político importante em Brasília. A empresa do político reduziu sua dívida em
R$ 4,8 milhões – e, com o truque, conseguiu contratos com a Polícia Federal e
com o governo de Brasília. Um dos sócios da Vipasa disse que a empresa atuou
conforme as regras e espera a notificação da Receita para se manifestar.
INVESTIGAÇÃO
O superintendente da Receita
Federal, Carlos Alberto Barreto. Força-tarefa para acabar com a fraude
Procurado por ÉPOCA, Conill não só negou o golpe
como afirmou que foi vítima dele. Segundo Conill, documentos em nome de sua
empresa foram falsificados, incluindo a procuração usada pelo despachante
Houdini. O empresário afirmou não conhecer o despachante, mas não conseguiu
explicar por que alguém fraudaria um documento para beneficiá-lo. Conill
admitiu que suas empresas mantêm dívidas tributárias e diz que busca a
regularização dos débitos. No final do ano passado, o Ministério Público
Federal denunciou Conill por falsidade ideológica, uso de documentos falsos e
fraude à execução, uma espécie de obstrução à cobrança de dívidas. “Desconheço
essa denúncia”, disse Connill. “Mas farei minha defesa quando for notificado.”
Segundo o Ministério Público, Conill já foi notificado e conta com advogado
constituído para atuar no caso.
Outro Houdini flagrado pela
Receita é Rubmaier Ferreira. Ele foi citado numa reportagem de ÉPOCA, em junho
do ano passado, em que aparecia como criador de empresas-fantasmas usadas pela
quadrilha chefiada pelo bicheiro Carlinhos Cachoeira. Nas próximas semanas, a
Receita aumentará o cerco aos Houdinis. Segundo os auditores, não há mágica
capaz de salvar os golpistas.
Fonte: Classe Contábil
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